terça-feira, 22 de junho de 2010

Dimensões fundamentais da descrição de pessoa

Não se pretende aqui apresentar mais uma definição de pessoa, mas descrever as suas características básicas. São estas descrições as utilizadas pela teologia nas últimas décadas. Partimos de dois aspectos básicos constitutivos do ser pessoal: a interiorização ou imanência e a abertura ou transcendência.
A interiorização ou imanência é a dimensão pela qual a pessoa deve estar centrada em si própria, sendo orientada pela própria interioridade. Seu desdobramento se dá a partir da autopossessão; da liberdade e responsabilidade e da perseidade.
- Autopossessão: conforme o próprio termo descreve, na autopossessão a pessoa se pertence, possui autonomia em seu ser. Sendo assim a pessoa não é propriedade do outro, não atentando contra a dignidade da pessoa.
- Liberdade e responsabilidade: a pessoa é capaz de escolher determinados valores por si mesma, a partir de si mesma. A pessoa é chamada a autodecidir, a optar. É chamada a ser livre. Conseqüentemente o ato de decisão e opção leva o exercício da responsabilidade frente ao que foi decidido e a opção feita. A pessoa não se torna objeto de manipulação.
- “Perseidade”: neste aspecto, a pessoa tem em si mesma a sua própria finalidade. No seu agir a pessoa se auto-realiza como ser pessoal. Por isso a pessoa não deve ser medida com critérios meramente utilitários. Assim a pessoa não se torna objeto ou instrumento para ser usado e depois deixado de lado.
Estes conceitos de autopertença, liberdade e auto-pertença, perseidade constituem os aspectos básicos da dimensão de imanência própria à pessoa. Esta imanência é a dimensão mais sublinhada pela tradição clássica.
Interessante perceber que da dignidade do ser da pessoa brota uma crítica radical contra as múltiplas formas antigas e modernas de escravidão, de manipulação e de instrumentalização de pessoas concretas, de grupos sociais e de povos igualmente concretos. Todo tipo de atentado contra a dignidade do ser humano também desumaniza aqueles que escravizam, manipulam e coisificam outros seres humanos. A indignação pessoal frente a essas realidades deve antes implicar em um compromisso na luta por outra sociedade possível, com estruturas renovadas e que estejam a serviço da humanização do homem não obstruindo este cominho de redenção. Este é o objetivo da Igreja quando incentiva o compromisso cristão com a construção de uma sociedade mais justa e mais solidária.
A pessoa é também convidada a desenvolver sua dimensão de abertura ou transcendência. A compreensão desta dimensão se dá quando a reflexão parte do principio de que a pessoa só pode ser verdadeiramente ela mesma quando se autotranscende. Esta dimensão abrange os seguintes aspectos fundamentais: de abertura ao mundo, abertura aos outros e abertura a Deus.
- Abertura ao mundo: A pessoa humana encarnada faz parte também do mundo natural. É criatura entre criaturas, unida a todas as outras numa solidariedade fundamental. A pessoa humana, imagem de Deus é chamada a trabalhar o mundo para transformá-lo em morada digna de toda a humanidade. Esse relacionamento deve ser vivido responsavelmente, perfilado do respeito às leis que regem o dinamismo do ecossistema do qual o homem é parte. Deve-se buscar ter duas atitudes para esta abertura ao mundo: a de transformação responsável do mundo e percepção de seu caráter simbólico não utilitário. O respeito para com a criação é primordial para reconhecermos a face de Deus na obra criada.
- Abertura aos outros: Este aspecto básico do ser pessoal foi bastante descuidado na elaboração da visão clássica de pessoa. A liberdade, autonomia e autofinalidade da pessoa se realizam na relação, no diálogo, no encontro, na abertura aos outros seres pessoais. Sair-de-si para o encontro é um dado constitutivo da pessoa.
- Abertura a Deus: Este é o aspecto mais fundamental da pessoa. É também o que a Sagrada Escritura privilegia. O teólogo Garcia Rubio afirma que “Deus estabelece uma relação dialógica com o ser humano; só o ser humano pode falar com Deus e aceitar a sua proposta. A relação com Deus, relação única e exclusiva, faz de cada indivíduo humano uma pessoa e não apenas mais um indivíduo da espécie humana.” (Garcia Rubio, p. 252, 1989). Pode-se observar que é em Jesus Cristo que se apresenta a extraordinária dignidade de cada ser humano concreto. Na pessoa de Jesus percebemos como a pessoa se realiza sobretudo na relação com o Tu divino, um Deus certamente com características pessoais. A orientação para Deus é a dimensão mais íntima e radical de toda criatura. Parafraseando Walter Kasper no seu livro Jesus, El Cristo, para a fé cristã o homem é pessoa acima de tudo porque é capaz de responder a Deus, de dialogar com Ele e de aceitar a sua proposta. Entre a pessoa humana e Deus existe uma relação única, própria, exclusiva e irrepetível.

Fr. Welinton Silva, C.Ss.R.

Nenhum comentário: