sábado, 16 de janeiro de 2010

ZILDA ARNS: A MÁRTIR EM DEFESA DA VIDA QUANDO ESTÃO EM EVIDÊNCIA OS MENSAGEIROS DA MORTE


A médica e militante católica Zilda Arns e outros 11 militares morreram no terremoto do Haiti. Falarei sobre o sentido, ou falta dele, da missão brasileira naquele país em outro post. Quero centrar minhas atenções um tantinho em Zilda.
Todos conhecem o formidável trabalho que esta mulher fez à frente da Pastoral da Criança. Uma ação de inequívoco apelo social, mas também de grandeza moral. Em vez de usar as dificuldades da população pobre como matéria de proselitismo, a exemplo de um sem-par de ONGs movidas a vigarice política, Zilda seguia a máxima cristã: deixava-se conhecer pela Palavra, mas também pela obra. A famosa “farinha múltipla” salvou certamente milhares de vidas. Como poderia dizer o grande poeta Bruno Tolentino, não é “mundo como idéia” que faz a realidade; é a realidade que fornece os elementos para que possamos conceituá-la. Zilda, como se diz, metia a mão na massa, trabalhava efetivamente para minorar o sofrimento daquelas pessoas que as esquerdas preferem chamar “os oprimidos”.
Não faz tempo, no surto de boçalidade que volta e meia toma conta do debate, especialmente na nossa gloriosa imprensa, Zilda chegou a ser tratada com certo menoscabo. A médica católica, a trabalhadora incansável em defesa das crianças, cometia dois pecados imperdoáveis para os brutos, para os ignorantes: era contra o aborto e se opunha à aprovação das pesquisas com células-tronco embrionárias. Em abril de 2008, o Conselho Nacional de Saúde, instância deliberativa do SUS, aprovou a pesquisa. Dos 39 conselheiros presentes, só houve um voto contrário: o de Zilda.
São “brutos” e “ignorantes” todos os que não concordam com o seu ponto de vista? Não! A estupidez está em não reconhecer que a posição da médica — que, sim, de fato, também é a minha — está assentada numa ética muito sólida, que não aceita negociar com a vida humana, qualquer que seja o pretexto. “Mas isso não é negociar etc”. Ok, estamos diante de um bom debate. Neste blog mesmo, como sabem, publico opiniões contrárias à minha, desde que o interlocutor não opte pela demonização do contraditório. É inaceitável, por exemplo, que se tente transformar a divergência num choque de “modernos” e “atrasados”. Porque isso me obrigaria a indagar se matar o feto é “moderno” em qualquer mês de gestação — o nono, por exemplo… Não sendo, o que distingue, essencialmente, o feto do nono mês do feto do, sei lá, segundo?
Bem, não quero retomar aqui, não agora, o longo debate envolvendo esses dois temas. O que pretendo reiterar é que Zilda Arns foi um exemplo notável de coerência, de dedicação à causa dos direitos humanos. Zilda morre, em missão num país paupérrimo, no momento em que as múmias bolcheviques, com o traseiro posto em suas cadeiras e a cabeça voltada para utopias liberticidas, incluem o descriminação do aborto como um dos “direitos humanos” — O QUE É UM ESCÂNDALO —, morre a médica do “passo”, não a do “paço”, para ficar numa distinção de Padre Vieira; morre a médica que caminhava para levar assistência aos necessitados, em vez de se aboletar nos palácios.
Enquanto a esquerda de gabinete celebrava a sua tara pela morte naquele decreto vagabundo, Zilda celebrava a vida no Haiti. Os contrastes são ainda mais evidentes: enquanto ela morreu para dar a vida — e se opunha ao aborto —, outros viveram para matar, consideram o aborto uma redenção e tentam impô-lo à sociedade como medida de mero bom senso. Zilda se torna, assim, simbolicamente, uma espécie de mártir da causa da vida; os promotores do tal decreto se tornam, assim, agentes da morte.
Quando leio o que dizem algumas senhores pró-aborto de um movimento chamado “Católicas Pelo Direito de Decidir”, confesso que sinto certa sublevação estomacal. Em primeiríssimo lugar, quem é católico MESMO sabe que não tem “direito de decidir” sobre essa matéria. Zilda sabia: o ÚNICO caminho é a subordinação à doutrina. Em segundo lugar, as pessoas são livres, aí sim, para renunciar ao catolicismo, que é uma escolha, não uma imposição.
Zilda morreu como viveu: servindo ao próximo, mudando objetivamente a vida das pessoas, atuando em favor dos mais necessitados, sem deixar que as condições as mais extremas abalassem a sua fé, os seus princípios, a sua disciplina católica. Mas não faltará, vocês verão, quem vá buscar ambigüidades em sua atuação, tentando ver uma antítese entre essa abnegação e sua subordinação aos princípios doutrinários da Igreja Católica.
Contradição? Zilda viveu a inteireza da experiência católica: deixou-se conhecer pela Palavra e pelas Obras. Foi, acima de tudo, coerente. E celebramos a sua obra e a sua fé.

REINALDO AZEVEDO

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

STF – NECESSÁRIA REVISÃO por Carlos Alberto Di Franco


A virada do calendário é sempre um convite à reflexão. Muitos leitores, aturdidos com a reiteração dos escândalos que mancham a vida pública brasileira, pedem um balanço do desempenho ético da imprensa. Todos são capazes de intuir que a informação é a pedra de toque do processo de moralização dos nossos costumes políticos.

Um balanço sereno indica um saldo muito favorável ao empenho investigativo dos meios de comunicação. O despertar da consciência da urgente necessidade de uma revisão profunda da legislação brasileira e do sistema político, responsáveis pelo clima de estelionato e banditismo nos negócios públicos, representa um serviço inestimável prestado pelo jornalismo deste país. A imprensa não tem ficado no simples registro dos delitos. De fato, vai às raízes dos problemas.

A imprensa, numa democracia moderna e madura, demanda liberdade para apurar, informar, opinar e denunciar. O próprio presidente da República, em discurso pronunciado na Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), afirmou que o seu compromisso com a liberdade de imprensa “é sagrado” e que tem “orgulho”de dizer que a imprensa no Brasil é livre. “Ela apura e deixa de apurar o que quer. Divulga e deixa de divulgar o que quer. Opina e deixa de opinar quando quer”, declarou. A fala do presidente, frequentemente desmentida pelo comportamento autoritário de alguns de seus companheiros, é irretocável.

Os que pregam o “controle social da mídia”-eufemismo para subordinar o livre fluxo da informação aos interesses de grupos organizados que dizem representar a sociedade e estimulam a ingerência do Estado no setor- não têm, de fato, o perfil dos verdadeiros democratas. Na verdade, não há imprensa sem liberdade. E também não há democracia sem imprensa livre.

Por isso, preocupa, e muito, decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) julgando inadequado um recurso impetrado pelo jornal O Estado de S.Paulo na esperança de restabelecer a plena liberdade de informação. O STF deliberou apenas sobre a forma do recurso, declarou imprecisão técnica e arquivou o pedido. Prendeu-se aos procedimentos formais. Perdeu, infelizmente, a oportunidade de sinalizar o compromisso da instituição com a liberdade de imprensa e de expressão, valores consagrados na nossa Constituição. O empresário Fernando Sarney, embora ostente o cargo de diretor de um jornal, jogou no lixo seu compromisso com a liberdade de imprensa. Patrono da censura por mais de 150 dias, comunicou ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF), poucas horas antes do início de recesso do Judiciário, sua desistência da ação contra O Estado de S.Paulo.

Tenho grande respeito pelo Poder Judiciário. Acredito firmemente na retidão de intenção dos ministros do STF. Temo, entanto, que tenham aberto uma avenida para a censura prévia no Brasil, algo que, como é lógico, não estava na mente dos constituintes e muito menos no coração dos brasileiros. Como bem lembrou o jornalista Ricardo Gandour, diretor de Conteúdo do Grupo Estado, “sinalizar ao País que a liberdade de imprensa não é plena trará precedente gravíssimo. (...) Corruptores e corrompidos, governantes que não cumprem metas, organizações que desrespeitam a lei, o meio ambiente e os consumidores: todos terão a chance de encontrar no Judiciário o escudo para esconder da fiscalização do público o que poderia vir a ser de elevado interesse para todos. E quem poderá dizer em que casos a cautela antecipada não se transformará em impunidade pré-adquirida?”, indaga Gandour.

O secretismo de Estado é um perigo para a democracia. O direito à intimidade e a presunção de inocência foram invocados de modo equivocado para justificar a censura ao jornal. Não há sociedade democrática sem informação. Informação ampla, transparente, completa. O direito à intimidade não pode ser um escudo protetor, sobretudo no caso de figuras públicas. Entendo que o direito à intimidade não é intocável. Pode cessar quando a ação praticada tem transcendência pública. É o caso das reportagens do jornal sobre supostas ações da família Sarney.

Acabo de reler um texto belíssimo e de grande atualidade: A Imprensa e o dever da verdade, de Ruy Barbosa. Recomendo-o vivamente a todos os que se preocupam com a ética informativa e as relações entre a imprensa e o poder.

“A imprensa”, dizia Rui Barbosa, “é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam. (...) O poder não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro. Agrade, ou não agrade, as constituições que abraçaram o governo da Nação pela Nação têm por suprema esta norma: para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério; e toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses, importa, nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país.”

Pois bem, um abismo separa os ideiais de Ruy Barbosa das tentativas de cerceamento da liberdade de imprensa e de expressão. Estou certo, amigos leitores, que o Supremo Tribunal Federal, integrado por magistrados dignos, terá a grandeza de rever sua posição. A liberdade de imprensa é um bem que não pode sucumbir ao mero formalismo jurídico.

A todos, um feliz 2010!

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com) e colaborador deste blog. E-mail: difranco@iics.org.br