terça-feira, 19 de maio de 2009

ESTRATEGISTA DO PERDÃO por Carlos Alberto Di Franco


A cobertura da imprensa da recente visita do papa à Terra Santa foi bastante razoável. Algumas matérias, ancoradas em informações de agências internacionais, deram, talvez, excessivo destaque aos destemperos isolados de alguns radicais e alimentaram polêmicas vazias que não se sustentam em pé. É preciso reconhecer, no entanto, que alguns equívocos cresceram à sombra do surpreendente despreparo do porta-voz do Vaticano.

“O papa nunca fez parte da Juventude Hitlerista”, afirmou monsenhor Federico Lombardi, acrescentando que Bento XVI foi convocado apenas para servir numa unidade antiaérea das tropas alemãs. Horas depois, voltou atrás na afirmação e divulgou um comunicado reconhecendo o que o papa, um homem reconhecidamente transparente, jamais negou: teve uma breve e compulsória participação na Juventude Hitlerista. Foi, como milhares de crianças alemãs, privado de sua liberdade e vitimado pelos abusos criminosos do governo de Hitler.

Comprova-se, mais uma vez, que os injustos ataques à imagem de Bento XVI não se originam apenas nas fileiras hostis ao Vaticano. São reforçados pela crescente ação do fogo amigo. E não estou pensando somente nas escorregadas do porta-voz. Os equívocos não se limitam à Sala de Imprensa. As puxadas de tapete, por sua magnitude e ousadia, nascem, estou certo, em ambientes curiais que deveriam primar pela lealdade ao papa.

Mas voltemos ao tema deste artigo. Durante toda a viagem, o papa repetiu duas mensagens: a de que cristãos, judeus e muçulmanos dividem as mesmas raízes e a importância da presença cristã no Oriente Médio. Ao visitar a Cidade Velha de Jerusalém, Bento XVI foi à Esplanada das Mesquitas (conhecida como Monte do Templo pelos judeus), terceiro lugar mais sagrado para o Islã, e entrou descalço no Domo da Rocha, de onde o Profeta Maomé teria subido aos céus. Em outro momento comovente, o papa depositou um bilhete entre as pedras do Muro das Lamentações, local sagrado para o Judaísmo. No bilhete, pediu ao “Deus de Abraão, Isaac e Jacó que leve sua paz à Terra Santa, ao Oriente Médio e a toda família humana.”

Mas Bento XVI sabe que a paz no Oriente Médio não depende de acordos meramente políticos, mas de algo muito mais profundo: a estratégia do perdão. Acima dos ódios milenares que dilaceram aqueles povos, o papa pediu a Deus que ajude os povos do Oriente Médio a derrubar os muros da hostilidade e da divisão.

A estratégia do perdão está no cerne da diplomacia papal. Ela deu um salto gigantesco no governo de seu antecessor. Como principal assessor de João Paulo II, o então cardeal Ratzinger teve papel decisivo na redação de um documento carregado de significado, a bula Incarnationis Mysterium, que instituiu o jubileu do ano 2000. Bento XVI, à semelhança de seu antecessor, aposta na força purificadora e libertadora da verdade. Movido pelo espírito de reconciliação, o papa pediu perdão pelos erros cometidos pelos fiéis e pelos representantes da Igreja Católica ao longo dos 2 mil anos da vida da instituição.

Esse gesto sem precedentes na História provocou interesse das outras religiões, mas foi recebido com reservas por alguns integrantes da própria Igreja Católica. Questionou-se a iniciativa do papa, porque se considerou que era unilateral, e se pediu um passo semelhante das outras igrejas. João Paulo II então, e Bento XVI agora, numa atitude de grandeza moral, não calcularam contrapartidas. O perdão genuíno, a reconciliação que tanta falta faz no Oriente Médio, é sempre uma abertura desarmada e generosa.

Reconciliação e unidade estiveram no centro dos objetivos papais. A viagem ao Oriente Médio, onde os filhos de Abraão, cristãos, judeus e muçulmanos, vivem num conflito permanente, não foi apenas a realização de um sonho do pontífice. Foi, na verdade, o corolário de uma vida dedicada à paz.

A realização do sonho de Bento XVI não será fácil, mas sua agenda da reconciliação proposta no coração de uma região corroída pelas divisões e pelo ódio, se bem acolhida, pode indicar que algo de novo e surpreendente está despontando no horizonte da terra onde nasceu o Príncipe da Paz.

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo , professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco difranco@iics.org.br e colaborador deste blog.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O DEVER DA DENÚNCIA por Carlos Alberto Di Franco


O leitor é sempre o melhor termômetro para medir a temperatura da cidadania. Em meu último artigo tratei do cinismo antiético que domina amplos setores do Congresso Nacional. O episódio das passagens aéreas reuniu situação e oposição no mesmo balaio da amoralidade. A nota oficial do presidente da Câmara, Michel Temer, é de uma esquizofrenia flagrante. Reconhece malfeitorias, mentiras e abusos. O corolário do silogismo, no entanto, não é a punição. Tudo acabou em novas regras e numa formidável anistia. Se todos, ou quase todos, estão envolvidos, ninguém é culpado. Viva a impunidade! Recebi 84 e-mails de leitores de várias cidades brasileiras. Uma boa amostragem de opinião pública. Um denominador comum esteve presente em todas as mensagens: indignação e pessimismo.
Muitos brasileiros, equivocadamente, começam a descrer da democracia. Paira no ar uma perigosa sensação: o Congresso Nacional não serve para nada. Vislumbra-se uma relação de causa e efeito entre corrupção e democracia. Alguns, sem dúvida desmemoriados, têm saudade de um passado ditatorial de triste memória. Reféns do desalento, sinalizam um risco que não deve ser subestimado: a utopia autoritária.
O Brasil, apesar dos pesares, tem instituições razoavelmente sólidas, embora parcela significativa da sociedade, como já disse, comece a questionar a validade de um dos pilares da democracia: o Congresso Nacional. O descrédito generalizado, sobretudo dos parlamentares, captado em inúmeras pesquisas de opinião, é preocupante. Queixa-se também a sociedade da impunidade radical. O fato de a Policia Federal prender e o Judiciário soltar, independentemente de eventuais razões processuais que possam justificar o procedimento, conspira contra a credibilidade da Justiça. Que fazer? Eis a pergunta que está no fundo do gigantesco descontentamento nacional.

Nós, jornalistas, sem qualquer engajamento ideológico, mas cumprindo rigorosamente nosso dever de denúncia, podemos contribuir poderosamente para a renovação ética do País. O combate à corrupção deve ser uma bandeira permanente. Para isso, em primeiro lugar, é preciso fugir do jornalismo declaratório e investir pesadamente na metodologia da dúvida. Interrogar e duvidar é um dever profissional elementar, sobretudo quando se cobrem assuntos de interesse público.
Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. A busca da isenção, no entanto, não significa a equivocada opção pela neutralidade. Os leitores não querem um jornalismo insosso e incolor. Querem uma mídia comprometida com a verdade. Tal compromisso, como é lógico, reclama, muitas vezes, uma informação que desemboca na denúncia consistente.
Na falta do bom ceticismo (jornalistas não podem ser ingênuos), o predomínio das aspas ocupa o lugar da informação. Um exemplo é suficiente: o agressivo marketing do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Inúmeras foram as manchetes reproduzindo declarações do presidente da República e da Chefe da Casa Civil a respeito do novo milagre brasileiro. Poucas, muito poucas, mostraram a realidade dos fatos: o PAC é uma bela parola! E a nossa missão é (ou deveria ser) rasgar o declaratório e mostrar a verdade. Declaração não é ponto de chegada. É ponto de partida. É pauta. Precisamos ver e confrontar a realidade com as promessas. Sem isso, o jornalismo deixa de ser socialmente relevante.
Complementa-se o dever da denúncia com o que eu chamaria de jornalismo de buldogues. Precisamos, todos, ser a memória da cidadania. Sugiro, mais uma vez, uma simples, mas eficiente terapia de combate à imoralidade: o placar da corrupção. Mensalmente, por exemplo, a imprensa exporia um quadro didático dos principais escândalos: o que aconteceu com os protagonistas da delinquência, as ações concretas ou as omissões dos Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário. Seria bom, em período eleitoral, elencar os nomes dos congressistas que participaram ativamente da farra das passagens aéreas e de outros desmandos. Trata-se de serviço público de primeira grandeza.
É dever ético da imprensa promover uma ampla conscientização popular da relevância que os cargos públicos têm e da importância de que pessoas absolutamente idôneas os ocupem. É preciso mostrar eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das idéias. Nós jornalistas devemos ser o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão desnudar o que o marketing esconde.
“A imprensa”, dizia Rui Barbosa, “é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam.” (...) “O poder não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro. Agrade, ou não agrade, as constituições que abraçaram o governo da Nação pela Nação têm por suprema esta norma: para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério; e toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses, importa, nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país.”
Pois bem, caro leitor: um abismo separa os ideais de Ruy Barbosa dos usos e costumes da Ilha da Fantasia. Mudar é preciso.