quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

PORNOPOLÍTICA por Carlos Alberto Di Franco


A história mundial está repleta de exemplos inspiradores. E a saga brasileira também. Os defeitos pessoais e as limitações humanas dos homens públicos, inevitáveis e recorrentes como as chuvas de verão, não matavam a política. Hoje, no entanto, assistimos ao advento da pornopolítica. A vida pública, com raras e contadas exceções, se transformou num espaço mafioso, numa avenida transitada por governantes corruptos, políticos cínicos e gangues especializadas no assalto ao dinheiro público.

Quando se pensava que as denúncias de corrupção no Distrito Federal (DF) tinham alcançado um patamar intransponível nos governos de Joaquim Roriz, a Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal (PF), revela um dos mais bem documentados e abjetos escândalos do gênero no País. O governador José Roberto Arruda, o mesmo que derramou lágrimas de crocodilo ao jurar inocência no caso da violação do sigilo do painel de votações do Senado, volta à cena em grande estilo. Arruda é acusado de chefiar um esquema sistemático de propinas a auxiliares diretos, membros do seu secretariado e deputado distritais.

A sociedade assiste, atônita, ao nascimento do mensalão do DEM. O filme lembra em tudo, até mesmo no uso de cuecas e meias como esconderijo da dinheirama, o até agora impune Mensalão do PT. O PSDB, por outro lado, vive assombrado com o fantasma do seu próprio mensalão. Recentemente, o senador Eduardo Azeredo (PSDM-MG), ex-governador de Minas, virou réu no Supremo Tribunal Federal (STF) e vai responder penalmente pela sua suposta participação no valerioduto mineiro.

Alguns, equivocadamente, minimizam a gravidade da corrupção. O Brasil está bombando. O desenvolvimento absolve todos os pecados. O crescimento da economia é uma viseira que impede um olhar mais profundo sobre o país que queremos construir. O custo humano e social da corrupção brasileira é assustador. O dinheiro que desaparece no ralo da corrupção é uma tremenda injustiça, uma bofetada na cidadania, um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República. As instituições perdem credibilidade numa velocidade assustadora. O fantasma do caudilhismo está aí. A imagem do presidente da República, construída numa impressionante operação de comunicação, não tem precedentes na história das democracias. Lembra, sim, esquemas clássicos de comunicação em regimes ditatoriais. E não se trata, por óbvio, de um plano de comunicação para quem está saindo, mas de uma estratégia de perpetuação no poder. O perigo não é o Lula, mas o lulismo. O culto ao presidente da República não combina com a democracia

A corrupção, independentemente do seu colorido partidário, precisa ser duramente combatida. É ela que alimenta a fome que o presidente da República pretendeu, certamente com boa intenção, combater na alvorada idealista do seu governo. É ela que abandona os idosos que são maltratados nas filas da saúde pública. É ela que empurra a juventude desempregada para o consumo e tráfico de drogas.

No ano passado, matéria da revista Megazine, suplemento para jovens do jornal O Globo, radiografou a imensa frustração da juventude com a política. Desencanto com política era uma das razões apontadas por jovens de 16 e 17 anos que optaram por não votar nas eleições de 2008. O voto aos 16 anos foi uma conquista do movimento estudantil, incorporada à Constituição de 1988. A renúncia ao exercício de um direito, tão imprópria do idealismo juvenil, mostra o grau da frustração adolescente. É um tiro na democracia e uma vitória dos demagogos, dos desonestos, dos oportunistas e dos que vivem de costas para a ética.

“Não quero sujar as mãos. Depois de eleito, o político só faz besteira e o povo se culpa por ter votado nele. Como posso escolher, vou tirar meu título quando for obrigado (aos 18)”, dizia João Gabriel de Souza, então com 17 anos.

Há cinco anos, havia no País 3,6 milhões de eleitores de 16 e 17 anos. Em 2008, o número chegou a 2,9 milhões, redução de 19%. No mesmo período, o eleitorado geral brasileiro subiu de 121 milhões para 130,6 milhões. Quer dizer: a esperança juvenil encolheu. São dados preocupantes.

A imprensa, sem as mordaças que alguns defendem e livre de quaisquer tentativas de cooptação, tem um papel decisivo no processo de recuperação da ética. Denunciar a corrupção é um dever. Mas, ao mesmo tempo, devemos construir uma agenda positiva e apoiar ações afirmativas no campo da ética na política. A Conferência Nacional dos Bispo do Brasil (CNBB) e outras 40 entidades da sociedade civil se empenharam na coleta de mais de 1,3 milhão de assinaturas para apresentar no Congresso um projeto de lei de iniciativa popular que vete a candidatura de pessoas com ficha suja nas eleições.

O projeto foi protocolado na Câmara dos deputados no passado dia 29. Pelo texto, não poderão concorrer pessoas condenadas em primeira instância, ou com denúncia recebida por um tribunal, por crimes de racismo, homicídio, estupro, tráfico de drogas e desvio de verbas públicas, além dos candidatos condenados por compra de votos ou uso eleitoral da máquina. Ficam ainda impedidos de concorrer os parlamentares que renunciaram ao cargo para evitar abertura de processo por quebra de decoro –caso, por exemplo, de alguns deputados envolvidos no escândalo do mensalão.

Tais iniciativas merecem destaque e apoio. O veto aos candidatos com ficha suja e o fim do foro privilegiado podem mudar o Brasil.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia e colaborador deste blog. www.consultoradifranco.com/ E-mail: difranco@iics.org.br

Assessor da CNBB é nomeado bispo para a diocese de Jataí


O subsecretário adjunto da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, padre José Luiz Majella Delgado, CSSR, será o novo bispo da diocese de Jataí, no estado do Goiás. O anúncio foi feito pelo papa nesta quarta-feira, 16. Ele vai suceder a dom Aloísio Hilário de Pinho, PODP, que teve sua renúncia aceita pelo papa Bento XVI, por causa da idade, conforme prevê o cânon 401 §1º.
Surpreso e emocionado, padre Majella, como é conhecido, vê sua nomeação como um chamado de Deus e um serviço à Igreja. “Senti que era um chamado de Deus e obedeço. Não sei porque razão o Senhor está me chamando, mas Ele sabe”, disse. “Acolho este chamado também como cruz, porque a cruz é sinal de redenção”.
Padre Majella disse que se inspirou em Josué ao aceitar a nova missão. Josué foi o líder que Deus escolheu para substituir Moisés na condução do povo de Israel para a terra prometida. “Uma figura bíblica que ficou no meu coração foi Josué, quando Deus entregou-lhe o povo de Israel, no lugar de Moisés. Deus disse a Josué, ‘Eu estarei com você seja firme e corajoso. Não tenda nem para esquerda nem para a direita’. É isso que quero fazer: sentar-me no chão para não fazer acepção de pessoas”, contou padre Majella.
Sua ordenação episcopal está marcada para o dia 27 de fevereiro, às 18h, no Santuário Nacional de Aparecida. O bispo ordenante será o presidente da CNBB, dom Geraldo Lyrio Rocha. O novo bispo terá como lema episcopal: “Servir com amor”.
“Tenho muito a agradecer a Deus por estar na CNBB, que está sendo uma verdadeira escola para mim. Através de minha vida aqui acolho este chamado, este serviço, em total comunhão com os bispos da Igreja”, acentuou.


Biografia

Mineiro de Juiz de Fora, padre Majella, 56, nasceu no dia 19 de outubro de 1953. Aos dois anos, mudou-se com a família para Volta Redonda (RJ). Fez o ensino fundamental em Volta Redonda (RJ) e Aparecida (SP) onde fez também o ensino médio, no Seminário Redentorista Santo Afonso. Na faculdade Salesiana de Filosofia, em Lorena (SP), fez licenciatura em Estudos Sociais e em Filosofia.
Em 1977 fez sua profissão religiosa e iniciou, no mesmo ano, o cursou deTeologia no Instituto Teológico São Paulo (ITESP), concluído em 1980.
No dia 14 de março de 1981, foi ordenado padre, em Volta Redonda (RJ) e, dez anos depois, fez especialização em teologia litúrgica na Pontifícia Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo. Em 2000, foi para Roma onde estudou Espiritualidade Redentorista na Academia Alfonsiana.
Como padre dedicou grande parte de seu ministério ao magistério. Foi professor no Seminário Redentorista de Aparecida; no Centro de Evangelização Missionária, em São Paulo. Foi também superior e diretor dos Seminários Redentoristas em Sacramento (MG) e em Aparecida (SP); secretário da Organização dos Seminários e Institutos do Brasil (OSIB) no Regional Leste 2 da CNBB; secretário da Associação dos Liturgistas do Brasil; prefeito de Igreja do Santuário Nacional de Aparecida; vigário paroquial em Sacramento e na Basílica de Aparecida; secretário executivo local para a V Conferência dos Bispos da América Latina e Caribe, em Aparecida, no ano de 2007, tornando-se, em seguida, assessor da CNBB.

Fonte:CNBB

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A FORÇA REDENTORA DA BELEZA por Carlos Alberto Di Franco


O papa Bento XVI recebeu recentemente 260 artistas do mundo inteiro na mágica capela Sistina, no Vaticano. O pianista brasileiro Alvaro Siviero esteve ao lado de personalidades como o compositor italiano Ennio Morricone, o arquiteto americano Daniel Libeskind, o cantor Andrea Bocelli, o diretor de cinema britânico Peter Greenaway, a pianista canadense Angela Hewitt, o arquiteto suiço Mario Botta, o escultor Igos Mitoraj, o cineasta russo Andrei Tarkovsky e a escritora italiana Susanna Tamaro.

Bento XVI, brilhante intelectual e um apaixonado pela música, defendeu o papel da arte como instrumento redentor. “É preciso construir um novo humanismo”, disse o papa em discurso repleto de citações de personalidades como Dostoievski, Michelangelo e Herman Hesse. “Graças ao seu talento, vocês têm a possibilidade de falar ao coração da humanidade, de tocar a sensibilidade individual e coletiva, de suscitar sonhos e esperanças”, sublinhou o pontífice.

Dostoieviski coloca nos lábios de Dimitri Karamazov uma certeira definição do drama humano tal como Bento XVI o vê: “A beleza é uma coisa terrível e espantosa. É o duelo do diabo e de Deus, sendo o coração humano o campo de batalha.” O papa também acredita que o mundo será salvo pela beleza.

Iniciativas, inúmeras, quase anônimas e cimentadas na força da solidariedade, comprovam o papel redentor da arte. Basta pensar, por exemplo, no magnífico trabalho de resgate social desenvolvido pela Orquestra Sinfônica de Heliópolis. Favelas, frequentemente, ocupam a crônica policial. A música, no entanto, transportou Heliópolis para as páginas de cultura. O consagrado maestro da Orquestra Filarmônica de Israel, Zubin Mehta, vislumbrou em Heliópolis, uma imensa favela cravada no coração de São Paulo, um canteiro de talentos. Jovens, abandonados pelos governos e teoricamente predestinados para uma vida de crime, drogas, prostituição, miséria e dor, encontraram na música o passaporte para o resgate da dignidade e da esperança.

A beleza é revolucionária e transfomadora. Por isso, Bento XVI enfatizou que “uma função essencial da verdadeira beleza, já evidenciada por Platão, consiste em comunicar ao homem uma espécie de ‘choque’ que o faz sair de si mesmo, o arranca da resignação, da acomodação do cotidiano, e o faz até mesmo sofrer, como um dardo que o fere, mas precisamente por isso o ‘desperta’, abrindo-lhe novamente os olhos do coração e da mente, dando-lhe asas, impulsionando-o em direção ao alto”.

Jornais, frequentemente dominados pelo noticiário enfadonho do país oficial e pautados pela síndrome do negativismo, não tem “olhos de ver”. Iniciativas que merceriam manchetes sucumbem à força do declaratório. Reportagens brilhantes, iluminadoras de iniciativas que constroem o país real, morrem na burocracia de um jornalismo que se distancia da vida e, consequentemente, dos seus leitores. “Bad news are good news”. O mote, alardeado pelos militantes do jornalismo baixo-astral, tem produzido um excesso de matérias em lá menor. O negativismo gratuito é, sem dúvida, uma das deformações da nossa profissão. “O rabo abana o cachorro”. O comentário, frequentemente esgrimido em seminários e debates sobre a imprensa, esconde uma tentativa de ocultar algo que nos incomoda: nossa enorme incapacidade de trabalhar em tempos de normalidade.

Estou convencido de que boa parte da crise da imprensa pode ser explicada pelo seu desligamento da realidade, por sua orgulhosa incapacidade de ouvir o mundo real. Os anos de chumbo da ditadura foram os melhores aliados da mediocridade profissional. A luta contra o arbítrio escondeu limitações e carências. A censura, abominável e sempre burra, produziu poucos heróis verdadeiros, mas também gerou gênios de fachada. Quatro linhas de protesto, independentemente da qualidade objetiva da matéria, já eram suficientes para conferir um passaporte para a celebridade. A democracia, no entanto, tem o poder de derubar inúmeros mitos. A estabilidade conspira contra a manchete fácil.

“Quando nada acontece”, dizia Guimarães Rosa, “há um milagre que não estamos vendo”. O jornalista de talento sabe descobrir a grande matéria que se esconde no aparente lusco-fusco do dia-a-dia. O encontro do papa com os artistas, evento de grande importância, embora pouco divulgado pela mídia brasileira, suscita reflexões a respeito do nosso ofício. A arte, a beleza, a grandeza humana mereceriam maior destaque. A notícia positiva, tão verdadeira quanto a informação negativa, é uma supresa, quase um fato inusitado.

A mídia, argumentam os aguerridos defensores do jornalismo mundo-cão, retrata a vida como ela é. Teria, contudo, o cotidiano do brasileiro médio nada além de tamanhas e tão frequentes manifestações de violência e de tristeza? Penso que não. Há uma evidente compulsão para pinçar os aspectos negativos da realidade.

Por mais que a sociedade tenha mudado, tenho a certeza de que o pretenso realismo que se alardeia para sustentar o excesso de violência e mau gosto que, diariamente, desaba sobre leitores e telespectadores não retrata a realidade vivida pela maioria esmagadora da população. Na verdade, ainda há muita gente que cultua os valores éticos, os quais dão sentido e dignidade ao ato de viver. Ainda há pessoas que, diante do vizinho doente, correm a socorrê-lo; e sofrem por um criança abandonada; e estendem a mão a um amigo necessitado.

“Vocês são guardiães da beleza”, disse Bento XVI aos artistas. Nós, jornalistas, somos ou deveríamos ser, “guardiães da verdade”, pintores da vida. Uma vida que é feita de luzes e sombras. A denúncia do mal é um dever ético. Mas a beleza e a grandeza humana bem valem uma manchete.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com) e colaborador deste blog. E-mail: difranco@iics.org.br

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

VIOLÊNCIA VERSUS AGENDA POSITIVA por Carlos Alberto Di Franco


Impressiona-me o crescente espaço destinado à violência nos meios de comunicação, sobretudo no telejornalismo. Catástrofes, tragédias e agressões, recorrentes como chuvaradas de verão, compõem uma pauta sombria e perturbadora. A violência não é uma invenção da mídia. Mas sua espetacularização é um efeito colateral que deve ser evitado. Não se trata, por óbvio, de sonegar informação. Mas é preciso contextualizá-la. A overdose de violência na mídia pode gerar fatalismo e uma perigosa resignação. Não há o que fazer, imaginam inúmeros leitores, ouvintes, telespectadores e internautas. Acabamos, todos, paralisados sob o impacto de uma violência que se afirma como algo irrefreável e invencível. E não é verdade. Podemos, todos, jornalistas, formadores de opinião, estudantes, cidadãos, enfim, dar pequenos passos rumo à cidadania e à paz.

Os que estamos do lado de cá, os profissionais da mídia, carregamos nossas idiossincrasias. Sobressai, entre elas, certa tendência ao catastrofismo. O rabo abana o cachorro. O mote, frequentemente usado para justificar o alarmismo de certas matérias, denota, no fundo, a nossa incapacidade para informar em tempos de normalidade. Mas, mesmo em épocas de crise (e estamos vivendo uma gravíssima crise de segurança pública), é preciso não aumentar desnecessariamente a temperatura. O jornalismo de qualidade reclama um especial cuidado no uso dos adjetivos. Caso contrário, a crise real pode ser amplificada pelos megafones do sensacionalismo. À gravidade da situação, inegável e evidente, acrescenta-se uma dose de espetáculo. O resultado final é a potencialização da crise. Alguns setores da mídia têm feito, de fato, uma opção preferencial pelo negativismo. O problema não está no noticiário da violência, mas na miopia, na obsessão pelos aspectos sombrios da realidade. É cômodo e relativamente fácil provocar emoções. Informar com profundidade é outra conversa. Exige trabalho, competência e talento.

O que eu quero dizer é que a complexidade da violência não se combate com espetáculo, atitudes simplórias e reducionistas, mas com ações firmes das autoridades e, sobretudo, com mudanças de comportamento. Como salientou certa vez o antropólogo Roberto da Matta, “se a discussão da onda de criminalidade que vivemos se reduzir à burrice de um cabo de guerra entre os bons, que reduzem tudo à educação e ao ‘social’; e aos maus, que enxergam a partir do mundo real: o mundo da dor e dos menores e maiores assassinos, e sabem que todo ato criminoso é também um caso de polícia, então estaremos fazendo como as aranhas do velho Machado de Assis, querendo acabar com a fraude eleitoral mudando a forma das urnas.” O que critico não é a denúncia da violência, mas o culto ao noticiário violento em detrimento de uma análise mais séria e profunda.

Precisamos, ademais, valorizar editorial e informativamente inúmeras iniciativas que tentam construir avenidas ou ruelas de paz nas cidades sem alma. É preciso investir numa agenda positiva. A bandeira a meio pau sinalizando a violência sem-fim não pode ocultar o esforço de entidades, universidades e pessoas isoladas que, diariamente, se empenham na recuperação de valores fundamentais: o humanismo, o respeito à vida, a solidariedade. São pautas magníficas. Embriões de grandes reportagens. Denunciar o avanço da violência e a falência do Estado no seu combate é um dever ético. Mas não é menos ético iluminar a cena de ações construtivas, freqüentemente desconhecidas do grande público, que, sem alarde ou pirotecnias do marketing, colaboram, e muito, na construção da cidadania.


A juventude, por exemplo, ao contrário do que fica pairando em algumas reportagens, não está tão à deriva. A delinquência bem-nascida, denunciada muitas vezes neste espaço opinativo, está longe de representar a maioria esmagadora da população estudantil. A juventude real, perfilada em várias pesquisas e na eloquência dos fatos, está identificando valores como amizade, família, trabalho. Há uma demanda reprimida de normalidade. Superadas as fases do fundamentalismo ideológico, marca registrada dos anos 60 e 70, e o oba-oba produzido pela liberação dos anos 80 e 90, estamos entrando num período mais realista e consistente. A juventude batalhadora sabe que não se constrói um país na base do quebra-galho e do jogo de cintura. O futuro depende de esforços pessoais que se somam e começam a mudar pequenas coisas. É preciso fazer o que é correto, e não o que pega bem. Mudar os rumos exige, sobretudo, a coragem de assumir mudanças pessoais.

A nova tendência tem raízes profundas. Os filhos da permissividade e do jeitinho sentem intensa necessidade de consistência profissional e de âncoras éticas. O Brasil do corporativismo, da impunidade do dinheiro e da força do sobrenome vai, aos poucos, abrindo espaço para a cultura do trabalho, da competência e do talento. O auê vai sendo substituído pela transpiração e o cartório vai sendo superado pela realidade do mercado. A juventude real, não a de proveta, imaginada por certa indústria cultural, manifesta crescente desejo de firmeza moral. Não quer a covarde concessão da velhice assanhada. Espera, sim, a palavra que orienta.

A violência está aí. E é brutal. Mas também é preciso dar o outro lado: o lado do bem. Não devemos ocultar as trevas. Mas temos o dever de mostrar as luzes que brilham no fim do túnel. A boa notícia também é informação. E, além disso, é uma resposta ética e editorial aos que pretendem fazer do jornalismo um refém da cultura da violência.


Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia e colaborador deste blog. (www.consultoradifranco.com). E-mail: difranco@iics.org.br

domingo, 8 de novembro de 2009

JUDAS, IMPRENSA E PODER por Carlos Alberto Di Franco


Em entrevista à Folha de S.Paulo, Lula afirmou que o papel da imprensa não é o de fiscalizar, e sim de informar. “Não acho que o papel da imprensa é fiscalizar. É informar. Para ser fiscal, tem o Tribunal de Contas da União, a Corregedoria Geral da República, tem um monte de coisas. A imprensa tem de ser o grande órgão informador da opinião pública”, disse Lula.

O presidente da República questiona um dos pilares da democracia: o papel fiscalizador da imprensa. E como Lula não é tonto, o falso disjuntivo (informação versus fiscalização) tem uma finalidade precisa: limitar o papel fiscalizador dos jornais e desacreditá-los. Na verdade, caro leitor, Lula manifesta crescente desconforto com aquilo que é rotineiro em qualquer democracia: o necessário contrapoder exercido pela imprensa.

Afinal, qual é a perversidade que deve ser debitada na conta dessa imprensa tão questionada pelo presidente da República? A denúncia de recorrentes atos de corrupção que cresceram como cogumelos à sombra da leniência presidencial? A veiculação de reportagens mostrando um presidente que dá olímpicas bananas à legislação eleitoral? Os jornais, por exemplo, sem uso de adjetivos e com textos sólidos, mostraram o que aconteceu recentemente às margens do São Francisco: uma fantástica operação de marketing montada pelo presidente da República e por sua candidata num explícito confronto à legislação eleitoral. Ou será que a azia de Lula é provocada pelo desnudamento de suas aparentes contradições? Recentemente, Lula criticou o criminoso vandalismo do MST, mas seu governo continua irrigando o caixa da entidade e seu partido, o PT, quer o MST na elaboração do programa de Dilma.

Eu, e outros colegas da imprensa, estávamos, em 2006, na Costa Rica. Lá, participamos de um seminário promovido pela Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP). O encontro foi aberto por Oscar Arias, presidente da República e Prêmio Nobel da Paz em 1987. Impressionou-me a qualidade intelectual e a entranha democrática do presidente Arias. Suas palavras foram um panegírico à liberdade de imprensa: “Junto com eleições periódicas e com a separação dos poderes, a liberdade de imprensa é o instrumento mais poderoso para realizar, efetivamente, uma das grandes conquistas da civilização ocidental: a ideia de que o poder político, se pretende ser legítimo, deve estar submetido a limites, e que o poder absoluto, como intuía Lord Acton, não é senão uma forma absoluta de corrupção. Quanto mais livre for a imprensa, mais limitado estará o exercício do poder e maior será a probabilidade de que nossas liberdades individuais permaneçam a salvo”, sublinhou o presidente.

O discurso de Arias tem a força da coerência. Na Costa Rica a democracia é sólida e operativa. Dois ex-presidentes, julgados e condenados por crime de corrupção, estão na cadeia. Guerra à impunidade e educação de qualidade fizeram daquele pequeno país um belo modelo de democracia possível. Trata-se do único binômio capaz de transformar uma sociedade. Crescimento econômico é importante. Mas sem ética, sem normas e sem lei, a história não acaba bem. No Brasil, não obstante os bons indicadores da economia, poderemos trombar com as consequências funestas de um populismo que encolheu a oposição, estimulou o cinismo, encurralou algumas togas e tenta algemar as redações.

O presidente da República, esgrimindo sua retórica direta, deu outro recado carregado de pragmatismo aético. Segundo Lula, nenhum dos vencedores das eleições de 2010 poderá fazer um governo “fora da realidade política”. “Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalisão.” Lula não fez nada para mudar esse quadro. Ao contrário, seu estilo de governança fortaleceu o que de pior existe na vida pública brasileira. O oportunismo de Lula foi a arma de defesa de José Sarney. Mas o realismo presidencial, talvez num ato falho, levou Lula a reconhecer que seus aliados têm os traços de um Judas tupiniquim.

O Brasil depende, e muito, da qualidade ética da sua imprensa e de sua indispensável força fiscalizadora.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia e colaborador deste blog. Difranco@iics.org.br

sábado, 24 de outubro de 2009

DROGAS, INGENUIDADE E REALISMO por Carlos Alberto Di Franco


A população de internos da Fundação Casa de São Paulo (ex-Febem) cresceu 17% este ano, em comparação com 2008. E mudou o perfil: existem mais adolescentes de classe média cumprindo medidas socioeducativas, sobretudo por envolvimento com o tráfico de drogas. “Há jovens que vêm de uma família estruturada”, observa a presidente da instituição, Berenice Giannella. “O pai e a mãe trabalham e os filhos, muitas vezes, se envolvem com o tráfico ou com o roubo porque querem ter acesso a determindos bens, como a moto e o tênis de marca”.

Acabo de transcrever um trecho de uma excelente reportagem de Elvis Pereira, repórter do Jornal da Tarde. A matéria mostra que o envolvimento com o narcotráfico já não é uma exclusividade das periferias e dos bolsões da exclusão social. Ele bate às portas das mansões dos bairros de elite, mostra sua garra aos que se julgavam imunes ao seu apelo e ensombrece a alma de famílias que sucumbem ao drama da delinquência insuspeitada.

Segundo Leo de Oliveira, diretor da Comunidade Terapêutica Horto de Deus (www.hortodedeus.org.br), em Taquaritinga, interior de São Paulo, “crise da família, aposta na impunidade, ganho fácil e consumo garantido explicam o novo mapa do tráfico de drogas”. Dinheiro não é garantia de estruturação familiar. Muitas vezes é exatamente o contrário. Carros, mesadas e ausência de limites compõem os ingredientes de uma bomba que explodirá lá na frente. O tráfico oferece a perspectiva do ganho fácil e do consumo assegurado. E a sensação de impunidade (rico não vai para a cadeia) completa o silogismo da juventude delinquente.

O quadro é assustador. Alguns, apoiados numa ingenuidade surpreendente, defendem a liberação das drogas consideradas leves, como a maconha, o ecstasy ou as anfetaminas.

Caso adotássemos os princípios defendidos pelos lobistas da liberação, o Brasil estaria entrando, com o costumeiro atraso, na canoa furada da experiência europeia. A Holanda, que foi pioneira ao autorizar a abertura de cafés onde era permitido consumir maconha e haxixe, já está retificando essa política. O mesmo ocorre na Suíça, que também está voltando atrás na política de liberar espaços em que viciados se encontram para injetar heroína fornecida pelo próprio governo. Um amigo jornalista, irônico e inteligente, deixou cair a pergunta que paira na cabeça de muita gente: será que Fernandinho Beira-Mar forneceria ao governo a maconha que seria repassada aos usuários?

Todos, menos os ingênuos, sabem que, assim como não existe meia gravidez, também não há meia dependência. É raro encontrar um consumidor ocasional. Existe, sim, usuário iniciante, mas que, muito cedo, se transforma em dependente crônico.

Transcrevo, caro leitor, o depoimento de um dependente químico. Ele fala com a experiência de quem esteve no fundo do poço.

“Sou filho único. Talvez porque meus pais não pudessem ter outros filhos me cercavam de mimos e realizavam todas as minhas vontades. Aos 12 anos comecei a fumar maconha, aos 17 comecei a cheirar cocaína. E perdi o controle. Fiz um tratamento psiquiátrico, fiquei 9 meses tomando medicamentos e voltei a fumar maconha. Nessa época já cursava medicina e convenci os meus pais de que a maconha fazia menos mal que o cigarro comum. Meus argumentos estavam alicerçados em literatura e publicações científicas. Eles mal sabiam que estavam sendo enganados, pois, além de cheirar, também passei a injetar cocaína e dolantina, que é um opiáceo. Sofri uma overdose e somente não morri porque estava dentro de um hospital, que é o meu local de trabalho. Após esta fatalidade decidi me internar em uma comunidade terapêutica e hoje, graças a Deus, estou sóbrio. O uso moderado de maconha sempre acabava nas drogas injetáveis. Somente a sobriedade total, inclusive do álcool, me devolveu a qualidade de vida que não pretendo trocar nem por uma simples cerveja ou uma dose de uísque.” A.S.N, médico, Ribeirão Preto (SP).

As drogas estão ceifando vidas jovens. A dependência química não admite ingenuidade. Reclama, sim, realismo e seriedade.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia e colaborador deste blog.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

PT PUNE LIBERDADE DE EXPRESSÃO Por Carlos Alberto Di Franco


O Diretório Nacional do PT, reunido no dia 17 de setembro, decidiu punir os deputados federais Luiz Bassuma (BA) e Henrique Afonso (AC). Por unanimidade, ambos tiveram seus direitos políticos suspensos por um ano e 90 dias, respectivamente. Não poderão votar nem ser votados nas instâncias partidárias ou discursar em nome do partido. Impressionante! Será que o PT decidiu enfrentar as consequências do pragmatismo aético que transformou as antigas bandeiras partidárias num trapo rasgado e sujo? Será que suas lideranças tiveram um choque de nostalgia ética e resolveram tirar os esqueletos do armário e encarar de frente a sucessão de escândalos (basta pensar no mensalão) que mancharam importantes lideranças do partido?

A resposta é um redondo não. Os dois deputados não meteram a mão no cofre público. Não mentiram. Não transformaram seus mandatos em ferramenta de enriquecimento próprio. Não participaram de recorrentes ações de delinquência parlamentar. Não fizeram caixa 2. Seu crime foi defender a vida. Sua ousadia foi questionar a descriminalização do aborto. Os membros do diretório nacional decidiram que eles infringiram a ética partidária, pois o PT decidiu em seu 3° Congresso Nacional uma posição a favor da descriminalização. A verdade, caro leitor, é uma só: o PT puniu a liberdade das consciências e algemou o direito à liberdade de expressão, valores consagrados na Constituição e pilares dos direitos humanos.

É curiosa a posição de certa “vanguarda”. Como lembrou o jornalista Alceu Castilho, editor do site Repórter Social, “temos um samba do crioulo doido. As pessoas de esquerda, acostumadas a pensar na sociedade em função do outro, da coletividade, tomam posição ferrenha “pró-escolha”, pró-indivíduo. E de um jeito que eu não poderia classificar de tolerante –como mostra a suspensão dos deputados petistas”, conclui Castilho.

A defesa da vida não é um assunto religioso. Pode até ter uma dimensão religiosa. Mas não se limita ao espaço da fé. Reduzir o debate sobre o aborto ao universo religioso é uma estratégia para desqualificar os defensores da vida. O problema do direito à vida é antropológico, científico e filosófico. Um embrião e um feto são também uma pessoa, tanto do ponto de vista científico como filosófico. Não ver isso é pôr lacre nos olhos.

É falsa a afirmação de que o feto faz parte do corpo da mãe, e de que a mãe pode abortar por ter direito sobre o seu próprio corpo. Na verdade, a mãe é a hospedeira, protetora e nutriz de um novo ser diferente dela, um outro indivíduo. Biologicamente, o ser que está aconchegado dentro do seio da mãe é idêntico ao que estará sentado no seu colo com três meses ou à mesa com ela quando tiver 15, 20 ou 50 anos de idade. O embrião é distinto de qualquer célula do pai ou da mãe; em sua estrutura genética, é “humano”, não um simples amontoado de células caóticas; e é um organismo completo, ainda que imaturo, que – se for protegido maternalmente de doenças e violência –, vai-se desenvolver até o estágio maduro de um ser humano.

Aprovar a autorização legal para abortar, como bem comentam os filósofos Robert P. George e Christopher Tollefsen, em seu livro “Embryo: A defense of Human Life” (Doubleday 2008) é dar licença para matar uma certa classe de seres humanos como meio de beneficiar outros. Defender os direitos de um feto é a mesma coisa que defender uma pessoa contra uma injusta discriminação, a discriminação dos que pensam que existem alguns seres humanos que devem ser sacrificados por um bem maior. Aí está exatamente o cerne da questão, que nada tem a ver com princípios religiosos nem com a eventual crença na existência da alma.

Fala-se, frequentemente, do “consenso por interesse”. É útil recordar que fruto dele foi a legislação que, durante séculos, definiu que uma raça ou um povo são legalmente infra-humanos e que, portanto, podem ser espoliados de direitos e tratados como “coisas”, também para benéficas experiências científicas: é o caso do apartheid dos negros na África do Sul e dos judeus aviltados e trucidados pela soberania “democrática” nazista.

O juridicismo, hoje prevalente, equivale a prescindir de qualquer enfoque filosófico e naufragar nas águas sempre mutáveis do relativismo. Nada tem um valor consistente, tudo depende do “consenso” dos detentores do poder, movidos a pressões de interesses. É óbvio que, por esse caminho, ficam abertas as portas para as maiores aberrações. Que argumento válido se poderá opor, então, a um projeto de lei que aprove a eutanásia compulsória dos anciãos gravosos ao erário público, ou a eliminação de doentes incapacitados para o trabalho, na mais alegre imitação da eugenia nazista? Será que o juridicismo tem resposta “válida” para isso?

O brasileiro é contra o aborto. Não se trata apenas de uma opinião, mas de um fato medido em inúmeras pesquisas de opinião. Por isso, o PT e o governo precisam ir devagar com o andor. A legalização do aborto seria, hoje e agora, uma ação nitidamente antidemocrática. Ademais, existe a questão dos princípios. A democracia é o regime que mais genuinamente respeita a dignidade da pessoa humana. Qualquer construção democrática, autêntica e não apenas de fachada, reclama os alicerces dos valores éticos fundamentais.

A honestidade intelectual não foge do debate, não impõe, não assume posições próprias do pior fascismo. Foi o que o PT fez: censurou, ameaçou, impediu o debate, puniu a liberdade de expressão.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com) e colaborador deste blog. E-mail: difranco@iics.org.br

terça-feira, 29 de setembro de 2009

ANJ, DEFESA DA LIBERDADE por Carlos Alberto Di Franco

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) completou trinta anos. Ao contrário do que insinuam os representantes de uma visão amarga e rançosa, a instituição tem sido responsável pela crescente profissionalização dos jornais, pela promoção do debate aberto e democrático e pela defesa firme da liberdade de imprensa e de expressão.

A entidade, corretamente, tem feito da defesa da liberdade de imprensa sua opção preferencial. Assistimos, com a intermitência das chuvas de verão, ao rebrotar de lamentáveis tentativas de controle da informação. O caso mais recente e clamoroso é a censura judicial ao jornal O Estado de S.Paulo. A ANJ, mais uma vez, não se omitiu e foi firme na condenação do abuso antidemocrático. Sem prejuízo do meu sincero respeito pelas decisões do Judiciário, a censura prévia ao jornal é uma bofetada na democracia. O controle ao jornal é um precedente gravíssimo. É importante que a sociedade reaja. Caso contrário, a violência judicial pode se transformar em rotina judicial. E a democracia será apenas uma fachada.

Em recente artigo publicado na Folha de São Paulo, o jurista Walter Ceneviva enfatizou que proibir a publicação de noticia na mídia é, de fato, censura judicial. O direito constitucional aceita que o Judiciário possa punir quem se exceda na manifestação do pensamento, mas não permite que jornais sejam proibidos de publicar notícia, informação ou crítica.

Tese análoga foi defendida pelo ministro Marco Aurélio Melo, do Supremo Tribunal Federal, em recentes declarações ao Estadão. Melo disse que jamais decretaria censura ao Estadão, como fez o desembargador Dácio Vieira a pedido da família Sarney. “Que se combata o vazamento de conversas telefônicas, mas sem se chegar ao cerceamento da liberdade de expressão”, sublinhou. Seu colega, ministro Celso de Mello, também um sensível defensor dos valores democráticos, foi igualmente direto e certeiro: “Nada mais nocivo que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão, pois o pensamento há de ser livre, essencialmente livre. Liberdade de imprensa concerne a todos e a cada cidadão. Esta garantia básica, que resulta da liberdade de expressão do pensamento, representa um dos pilares em que repousa a ordem democrática”, salientou o ministro em conversa com o jornal O Globo.

O que está em jogo, para além da garantia constitucional da liberdade de imprensa, é o direito que tem a sociedade de ser informada. É difícil imaginar que o Brasil possa superar a gravíssima crise ética que transformou amplos setores do serviço público num exercício de cinismo e arrogância, sem ampla e plena liberdade de imprensa e de expressão. Por isso, manifestações públicas de representantes da mais alta corte judicial são uma lufada de ar fresco na cidadania. O Brasil pode contar com a seriedade e o espírito democrático daqueles que têm por ofício interpretar o espírito e a letra da Constituição. A censura prévia foi enterrada com a ditadura. Felizmente. E um outro Brasil, aberto, plural e essencialmente democrático, aflorou dos cacos da repressão e do autoritarismo.

Preocupa também, e muito, o controle da mídia por grupos com projetos de poder e perfil marcadamente radical e antidemocrático. A democracia cresce quando os meios de comunicação têm trajetórias transparentes. A defesa do Estado de Direito passa, necessariamente, por um compromisso claro e histórico com plataformas de informação. Pode-se concordar ou discordar com a linha editorial das empresas de comunicação, mas há um valor inegociável: a transparência do negócio e o compromisso com valores éticos básicos. Jornalismo não é, e não deve ser, propaganda ideológica ou passaporte para ações pouco claras.

As ações da ANJ, no entanto, não se limitam à irrenunciável defesa da liberdade. A entidade tem sido, de fato, um fórum extraordinário para a discussão dos rumos do jornalismo de qualidade. Participo, com entusiasmo, do Comitê Editorial da ANJ e constato, juntamente com meus colegas de comitê, que os diários continuam fortes e têm conseguido preservar seu maior capital: a credibilidade. A confiança da população na qualidade ética dos seus jornais tem sido um inestimável apoio para o desenvolvimento de um autêntico jornalismo de buldogues. O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da política nacional só tem sido possível graças à força do binômio da democracia: jornalismo livre e opinião pública informada.

A revalorização da reportagem e o investimento exponencial na informação local tem ocupado a agenda da ANJ. Teimosamente escanteada pelo comodismo do jornalismo de hambúrguer (insosso e pouco criativo), a reportagem é uma das mais nítidas demandas do leitorado. É preciso atrair o leitor com matérias que rompam com a mcdonaldização dos jornais. Autor do mais famoso livro sobre a história do The New York Times, Gay Talese põe o dedo na chaga da crescente ausência de boas reportagens. “Não fazemos matéria direito, porque a reportagem se tornou muito tática, confiando em e-mail, telefones, gravações. Não é cara a cara. Quando eu era repórter, nunca usava telefone. Queria ver o rosto das pessoas. (...) Não se anda na rua, não se pega o metrô ou um ônibus, um avião, não se vê, cara a cara, a pessoa com quem se está conversando”, lamenta Talese. Tem razão.

Defesa da liberdade, renovação de leitores e investimento em informação ética e bem apurada compõem um retrato de corpo inteiro do trabalho da ANJ, uma entidade comprometida com a democracia, a cidadania e o jornalismo de qualidade.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br), professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com). E-mail: difranco@iics.org.br

sábado, 26 de setembro de 2009

RETRATO DE UM PRESIDENTE por Carlos Alberto Di Franco


Não durmo nos aviões. Minha insônia aérea só é suportada com o lenitivo de um bom livro. E foi o que fiz. Dicionário Lula, um presidente exposto por suas próprias palavras, lançamento da Editora Nova Fronteira, é um livro revelador. Um Lula surpreendente, para adeptos e opositores, é o que emerge do novo livro do jornalista Ali Kamel. Utilizando de forma inédita um método de análise de conteúdo, Kamel pesquisou todos os discursos do presidente improvisados no todo ou em parte, todas as suas entrevistas e todos os programas Café com o Presidente nos períodos de janeiro de 2003 a maio de 2008 e de setembro de 2008 a março de 2009. Com a ajuda de dois softwares, um criado especialmente para o livro, Kamel pôde analisar que palavras Lula mais utiliza, de que forma e em que quantidade, com precisão matemática.

Lula é coerente ao longo do tempo? Lula tem, sobre um mesmo tema, ideias opostas dependendo do público para quem está discursando? Ele se sente confortável diante do capitalismo ou se mostra como um socialista de carteirinha? Em que se apoiam as suas opiniões, avaliações, conceitos, conclusões, afirmativas, certezas? Ou ainda: há alguma base de onde tudo isso parte? Quais são as suas formas de construir um discurso e de comunicar esse mesmo discurso?”

“O Lula que emerge destas páginas é um comunicador sem igual; um homem que vê o mundo a partir de sua experiência concreta de vida, de uma maneira que salta aos olhos; coerente, mas com incoerências importantes; um cidadão que preza os valores tradicionais da família e de Deus; um filho legítimo do capitalismo que almeja para os outros a mobilidade social que conseguiu para si (quando se tornou torneiro mecânico); um conciliador, cujo objetivo, ao menos no nível da retórica, é alcançar a harmonia entre os pólos extremos da sociedade, tendo, para isso, como principal instrumento, políticas assistencialistas.”

Kamel conclui: “Muito longe do estereótipo do líder da esquerda operária tradicional – geralmente ateu, arauto de um novo homem, advogado da reestruturação da família em novos moldes, proponente de um regime político-econômico em que haja supremacia dos trabalhadores em relação aos patrões –, Lula acaba exposto, por suas próprias palavras, como um brasileiro médio mais ou menos crente em Deus, defensor do modelo tradicional de família e que se vê como o proponente de uma sociedade capitalista onde haja mais harmonia entre pobres e ricos”.

Lula é, sem dúvida, um animal político e um grande comunicador. Sua história de vida, carregada de carências e sofrimento, enrijeceu sua personalidade e o transformou num homem decidido a vencer a qualquer preço. Mas é precisamente na têmpera da sua obstinação que reside a sua maior fragilidade ética. O projeto de poder de Lula não admite barreiras éticas. Em nome da governabilidade e da perpetuação no poder, Lula se aliou ao que de pior existe na vida pública brasileira. A relativização dos valores e a condescendência com os companheiros e aliados envolvidos em graves irregularidades virou rotina na fala presidencial.

O presidente Lula tem méritos indiscutíveis. Iniciou o resgate da dívida social, foi prudente na condução da economia e deu ao Brasil, pela força de seu carisma e pelos bons ventos que sopraram nos seus mandatos, grande prestígio internacional e notável popularidade interna. Além disso, ao contrário de seus colegas, não entrou no desvio do terceiro mandato. Na reta final de seu governo, tão carregado de força simbólica, o presidente bem poderia encarar a recuperação da ética. Impossível? Talvez. Mas no crepúsculo do governo, feitas as contas, começa a pesar o legado para a história.

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia e colaborador deste blog.
difranco@iics.org.br

sábado, 12 de setembro de 2009

RADIOGRAFIA DE UM ACORDO por Carlos Alberto Di Franco


O Brasil, não obstante o empenho dos paladinos da luta de classes, é um país tolerante. A miscigenação, traço característico da nossa cultura secular, é um fato, independentemente de questionamentos artificiais dos que querem reduzir a beleza humana do multicolorido racial ao artificialismo de uma pátria em preto-e-branco. Na religião, igualmente, o Brasil tem sido um modelo de convivência e tolerância. Ao contrário de muitas regiões do mundo, marcadas pelo fanatismo e pelo sectarismo religioso, o Brasil é um sugestivo caso de relação independente e harmoniosa entre religião e Estado.

Foi o que se viu recentemente, quando a Câmara dos Deputados aprovou o Acordo entre o Brasil e a Santa Sé, que agora irá para o Senado Federal, como último passo para a sanção presidencial. O conteúdo desse instrumento jurídico firmado por dois Estados soberanos é, estou convencido, um bom exemplo de como se pode harmonizar a laicidade do Estado e a liberdade religiosa.

Naturalmente, nem todos vêem dessa forma. Respeito as opiniões contrárias. Parece-me que seria interessante analisar brevemente alguns pontos deste Acordo, mostrando que está claramente inserido na nossa tradição de respeito à diversidade. Em primeiro lugar, o Acordo não cria qualquer tipo de privilégio para a Igreja Católica. A leitura dos 20 artigos do Tratado, que recomendo a todos, evidencia que o tom é reconhecer disposições que já estavam presentes de forma esparsa em nosso ordenamento jurídico. Por exemplo, o art. 15 do Tratado dispõe: “Às pessoas jurídicas eclesiásticas, assim como ao patrimônio, renda e serviços relacionados com as suas finalidades essenciais, é reconhecida a garantia de imunidade tributária referente aos impostos, em conformidade com a Constituição brasileira”. Trata-se de um reconhecimento daquilo que a Constituição já estabelecia, ao definir as limitações ao poder de tributar, sublinhando que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre templos de qualquer culto” (art. 150, VI, b). Reconhece-se que a liberdade religiosa é um direito fundamental, não podendo o Estado dificultar o seu exercício através da tributação, como também ocorre por exemplo em relação aos partidos políticos ou às entidades sindicais.

O tratamento dado pelo Acordo ao ensino religioso sofreu algumas críticas, na suposição de que feriria o caráter laico do Estado brasileiro. Tal visão, no entanto, não reflete a postura da Constituição brasileira, que estabelece que “o ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental” (art. 210, § 1º). O caráter laico do Estado está assegurado ao se definir que a matrícula é facultativa.

O Brasil e a Santa Sé, no mencionado Acordo, também “reconhecem que o patrimônio histórico, artístico e cultural da Igreja Católica, assim como os documentos custodiados nos seus arquivos e bibliotecas, constituem parte relevante do patrimônio cultural brasileiro” (art. 6º). Esse aspecto não enseja novidade a nenhum brasileiro. Basta citar, por exemplo, o Páteo do Colégio, em São Paulo, os Mosteiros de São Bento do Rio de Janeiro e de São Paulo, a Igreja e o Convento de São Francisco em Salvador, o Santuário do Bom Jesus de Matosinhos, em Congonhas do Campo (MG), onde se encontram diversas esculturas do Aleijadinho e que é reconhecido como Patrimônio Mundial da Unesco. O Estado brasileiro não pode ser indiferente a este patrimônio, já que seria desprezar a nossa própria história.

O Acordo não se refere às verdades religiosas, nem tem a menor pretensão de abordar o tema da “verdade”, mas vem consolidar, num único instrumento, o estatuto jurídico da Igreja Católica, à qual pertencem 74% dos brasileiros (segundo dados da FGV). Um Estado laico pede transparência, reconhecimento das lícitas realidades sociais, respeito à liberdade religiosa. Nesse sentido, o Acordo é um bom passo, dentro da nossa tradição de convivência pacífica e harmoniosa.


Carlos Alberto Di Franco, diretor do Master em Jornalismo,
professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de
Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia e colaborador deste blog. difranco@iics.org.br

sexta-feira, 17 de julho de 2009

A MAGIA DO JORNALISMO por Carlos Alberto Di Franco


Gay Talese, um dos fundadores do New Journalism (novo jornalismo), uma maneira de descrever a realidade com o cuidado e o talento de quem escreve um romance, foi a grande estrela da Festa Literária Internacional de Paraty. Sua crítica da mídia pode parecer radical e ultrapassada. Mas não é. Na verdade, Talese é um enamorado do jornalismo de qualidade. E a boa informação, independentemente da plataforma, reclama talento, rigor e paixão.

Segundo Talese, a crise do jornalismo está intimamente relacionada com o declínio da reportagem clássica. “Acho que o jornalismo e não o Times, está sendo ameaçado pela internet”, disse Talese à revista Época. “E o principal motivo é que a internet faz o trabalho de um jornalista parecer fácil. Quando você liga o laptop em sua cozinha, ou em qualquer lugar, tem a sensação de que está conectado com o mundo. Em Pequim, Barcelona ou Nova York…Todos estão olhando para uma tela de alguns centímetros. Pensam que são jornalistas, mas estão ali sentados, e não na rua. O mundo deles está dentro de uma sala, a cabeça está numa pequena tela, e esse é o seu universo. Quando querem saber algo, perguntam ao Google. Estão comprometidos apenas com as perguntas que fazem. Não se chocam acidentalmente com nada que estimule a pensar ou a imaginar. Às vezes em nossa profissão, você não precisa fazer perguntas. Basta ir às ruas e olhar as pessoas. É aí que você descobre a vida como ela realmente é vivida.”

A crítica de Talese, algo precipitada e injusta com o jornalismo digital, é um diagnóstico certeiro da crise do jornalismo impresso. Os jornais perdem leitores em todo o mundo. Multiplicam-se as tentativas de interpretação do fenômeno. Seminários, encontros e relatórios, no exterior e aqui, procuram, incessantemente, bodes expiatórios. Televisão e internet são, de longe, os principais vilões. Será? É evidente que a juventude de hoje lê muito menos. No entanto, como explicar o estrondoso sucesso editorial do épico “O Senhor dos Anéis” e das aventuras de Harry Potter? Os jovens não consomem jornais, mas não se privam da leitura de obras alentadas. O recado é muito claro: a juventude não se entusiasma com o produto que estamos oferecendo. O problema, portanto, está em nós, na nossa incapacidade de dialogar com o jovem real. Mas não é só a juventude que foge dos jornais. A chamada elite, classes A e B, também tem aumentado a fileira dos desencantados. Será inviável conquistar toda essa gente para o mágico mundo da cultura impressa? Creio que não. O que falta, estou certo, é realismo e qualidade.

Os jornais, equivocadamente, pensam que são meio de comunicação de massa. E não são. Daí derivam erros fatais: a inútil imitação da televisão, a incapacidade para dialogar com a geração dos blogs e dos videogames e o alinhamento acrítico com os modismos politicamente corretos. Esqueceram que os diários de sucesso são aqueles que sabem que o seu público, independentemente da faixa etária, é constituído por uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de produtos de qualidade. Num momento de ênfase no didatismo e na prestação de serviços - estratégias úteis e necessárias-, defendo a urgente necessidade de complicar as pautas. O leitor que precisamos conquistar não quer o que pode conseguir na TV ou na internet. Ele quer qualidade informativa: o texto elegante, a matéria aprofundada, a análise que o ajude, efetivamente, a tomar decisões.

A receita de Talese demanda forte qualificação profissional. “A minha concepção de jornalismo sempre foi a mesma. É descobrir as histórias que valem a pena ser contadas. O que é fora dos padrões e, portanto, desconhecido. E apresentar essa história de uma forma que nenhum blogueiro faz. A notícia tem de ser escrita como ficção, algo para ser lido com prazer. Jornalistas têm de escrever tão bem quanto romancistas”. Eis um magnífico roteiro e um formidável desafio para a conquista de novos leitores: garra, elegância, rigor, relevância.

O nosso problema, ao menos no Brasil, não é de falta de mercado, mas de incapacidade de conquistar uma multidão de novos leitores. Ninguém resiste à matéria inteligente e criativa. Em minhas experiências de consultoria, aqui e lá fora, tenho visto uma florada de novos leitores em terreno aparentemente árido e pedregoso. O problema não está na concorrência dos outros meios, embora ela exista e não pode ser subestimada, mas na nossa incapacidade de surpreender e emocionar o leitor. Os jornais, prisioneiros das regras ditadas pelo marketing, estão parecidos, previsíveis e, conseqüentemente, chatos.

A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso seduzir o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasil oficial e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência. Além disso, os leitores estão cansados do baixo-astral da imprensa brasileira. A ótica jornalística é, e deve ser, fiscalizadora. Mas é preciso reservar espaço para a boa notícia. Ela também existe. E vende jornal. O leitor que aplaude a denúncia verdadeira é o mesmo que se irrita com o catastrofismo que domina muitas de nossas pautas.

Perdemos a capacidade de sonhar e a coragem de investir em pautas criativas. É hora de proceder às oportunas retificações de rumo. Há espaço, e muito, para o jornalismo de qualidade. Basta cuidar do conteúdo. E redescobrir uma verdade constantemente reiterada pelo jornalista Ruy Mesquita: o bom jornalismo é “sempre artesanato.”

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia e colaborador deste blog.
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quarta-feira, 3 de junho de 2009

TOTALITARISMO E INTOLERÂNCIA por Carlos Alberto Di Franco


Dois episódios recentes, em Brasília e São Paulo, desnudam a visão totalitária e a intolerância ideológica que dominam estratégias de longo alcance na formação das novas gerações.Comecemos por Brasília. O governo quer que sejam incluídos nos livros didáticos a temática de famílias compostas por lésbicas, gays, travestis e transexuais. Ainda na área da educação, recomenda cursos de capacitação para evitar a homofobia nas escolas e pesquisas sobre comportamento de professores e alunos em relação ao tema. Essas são algumas das medidas que integram o Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos de LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais), documento firmado por representantes de 18 ministérios do governo Lula. “É um marco na busca da garantia dos direitos e cidadania”, afirmou o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, durante o lançamento do plano.
Vamos, caro leitor, a São Paulo. A Secretaria Estadual da Educação distribuiu a escolas um livro com conteúdo sexual e palavrões, para ser usado como material de apoio por alunos da 3ª série do ensino fundamental (faixa etária de 9 anos). O livro (Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol) é recheado com palavrões e termos chulos. São 11 histórias em quadrinhos, feitas por diferentes artistas, que abordam temas relacionados a futebol – algumas usam também a conotação sexual.
O governo de São Paulo afirmou que houve “falha”na escolha, pois o material é “inadequado para alunos desta idade”. Ótimo. Reconhecer o erro é importante. Mas, aparentemente, o governo entende que o conteúdo seria adequado para alunos de outra faixa etária. Lamentável! É assim que se pretende melhorar a qualidade de ensino?
São Paulo que foi capaz de produzir uma USP assiste hoje à demissão do dever de educar. A pedagogia do palavrão e a metodologia da obscenidade estão ocupando o lugar da educação de qualidade. Espero, sinceramente, que o episódio seja pontual e que o governador José Serra, homem de sólida formação acadêmica, e seu secretário da Educação, o ex-ministro Paulo Renato, tomem providências definitivas.
Na verdade, amigo leitor, uma onda de intolerância avança sobre a sociedade. Discriminados assumem a bandeira da discriminação. O tema da sexualidade passou a gerar novos dogmas e novos tabus. E os governos, num espasmo de totalitarismo, querem impor à sociedade um modo único de pensar, de ver e de sentir.
Uma coisa é o combate à discriminação, urgente e necessário. Outra, totalmente diferente, é o proselitismo de uma opção de vida. Não cabe ao governo, com manuais, cartilhas e material didático, formatar a cabeça dos brasileiros. Tal estratégia tem nome: totalitarismo. O governo deve impedir os abusos da homofobia, mas não pode impor um modelo de família que não bate com as raízes culturais do Brasil e sequer está em sintonia com o sentir da imensa maioria da população.
A intolerância atual é uma nova “ideologia”, ou seja, uma cosmovisão – um conjunto global de idéias fechado em si mesmo –, que pretende ser a “única verdade”, racional, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na legislação, na educação, etc. Tal como as políticas nascidas das ideologias totalitárias, a atual intolerância execra – sem dar audiência ao adversário nem manter respeito por ele – os pensamentos que divergem dos seus “dogmas”, e não hesita em mobilizar a “inquisição” de certos setores, para achincalhar – sem o menor respeito pelo diálogo – as ideias ou posições que se opõem ao seu dogmatismo.
Aborrece-me a intolerância dos “tolerantes”. Incomoda-me o dogmatismo das falanges autoritárias. Respeito a divergência e convivo com o contraditório. Sem problema. Mas não duvido que é na família, na família tradicional, mais do que em qualquer outro quadro de convivência, o “lugar” onde podem ser cultivados os valores, as virtudes e as competências que constituem o melhor fundamento da educação para a cidadania.

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo, professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia e colaborador deste blog.
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terça-feira, 19 de maio de 2009

ESTRATEGISTA DO PERDÃO por Carlos Alberto Di Franco


A cobertura da imprensa da recente visita do papa à Terra Santa foi bastante razoável. Algumas matérias, ancoradas em informações de agências internacionais, deram, talvez, excessivo destaque aos destemperos isolados de alguns radicais e alimentaram polêmicas vazias que não se sustentam em pé. É preciso reconhecer, no entanto, que alguns equívocos cresceram à sombra do surpreendente despreparo do porta-voz do Vaticano.

“O papa nunca fez parte da Juventude Hitlerista”, afirmou monsenhor Federico Lombardi, acrescentando que Bento XVI foi convocado apenas para servir numa unidade antiaérea das tropas alemãs. Horas depois, voltou atrás na afirmação e divulgou um comunicado reconhecendo o que o papa, um homem reconhecidamente transparente, jamais negou: teve uma breve e compulsória participação na Juventude Hitlerista. Foi, como milhares de crianças alemãs, privado de sua liberdade e vitimado pelos abusos criminosos do governo de Hitler.

Comprova-se, mais uma vez, que os injustos ataques à imagem de Bento XVI não se originam apenas nas fileiras hostis ao Vaticano. São reforçados pela crescente ação do fogo amigo. E não estou pensando somente nas escorregadas do porta-voz. Os equívocos não se limitam à Sala de Imprensa. As puxadas de tapete, por sua magnitude e ousadia, nascem, estou certo, em ambientes curiais que deveriam primar pela lealdade ao papa.

Mas voltemos ao tema deste artigo. Durante toda a viagem, o papa repetiu duas mensagens: a de que cristãos, judeus e muçulmanos dividem as mesmas raízes e a importância da presença cristã no Oriente Médio. Ao visitar a Cidade Velha de Jerusalém, Bento XVI foi à Esplanada das Mesquitas (conhecida como Monte do Templo pelos judeus), terceiro lugar mais sagrado para o Islã, e entrou descalço no Domo da Rocha, de onde o Profeta Maomé teria subido aos céus. Em outro momento comovente, o papa depositou um bilhete entre as pedras do Muro das Lamentações, local sagrado para o Judaísmo. No bilhete, pediu ao “Deus de Abraão, Isaac e Jacó que leve sua paz à Terra Santa, ao Oriente Médio e a toda família humana.”

Mas Bento XVI sabe que a paz no Oriente Médio não depende de acordos meramente políticos, mas de algo muito mais profundo: a estratégia do perdão. Acima dos ódios milenares que dilaceram aqueles povos, o papa pediu a Deus que ajude os povos do Oriente Médio a derrubar os muros da hostilidade e da divisão.

A estratégia do perdão está no cerne da diplomacia papal. Ela deu um salto gigantesco no governo de seu antecessor. Como principal assessor de João Paulo II, o então cardeal Ratzinger teve papel decisivo na redação de um documento carregado de significado, a bula Incarnationis Mysterium, que instituiu o jubileu do ano 2000. Bento XVI, à semelhança de seu antecessor, aposta na força purificadora e libertadora da verdade. Movido pelo espírito de reconciliação, o papa pediu perdão pelos erros cometidos pelos fiéis e pelos representantes da Igreja Católica ao longo dos 2 mil anos da vida da instituição.

Esse gesto sem precedentes na História provocou interesse das outras religiões, mas foi recebido com reservas por alguns integrantes da própria Igreja Católica. Questionou-se a iniciativa do papa, porque se considerou que era unilateral, e se pediu um passo semelhante das outras igrejas. João Paulo II então, e Bento XVI agora, numa atitude de grandeza moral, não calcularam contrapartidas. O perdão genuíno, a reconciliação que tanta falta faz no Oriente Médio, é sempre uma abertura desarmada e generosa.

Reconciliação e unidade estiveram no centro dos objetivos papais. A viagem ao Oriente Médio, onde os filhos de Abraão, cristãos, judeus e muçulmanos, vivem num conflito permanente, não foi apenas a realização de um sonho do pontífice. Foi, na verdade, o corolário de uma vida dedicada à paz.

A realização do sonho de Bento XVI não será fácil, mas sua agenda da reconciliação proposta no coração de uma região corroída pelas divisões e pelo ódio, se bem acolhida, pode indicar que algo de novo e surpreendente está despontando no horizonte da terra onde nasceu o Príncipe da Paz.

Carlos Alberto Di Franco é diretor do Master em Jornalismo , professor de Ética e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco difranco@iics.org.br e colaborador deste blog.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

O DEVER DA DENÚNCIA por Carlos Alberto Di Franco


O leitor é sempre o melhor termômetro para medir a temperatura da cidadania. Em meu último artigo tratei do cinismo antiético que domina amplos setores do Congresso Nacional. O episódio das passagens aéreas reuniu situação e oposição no mesmo balaio da amoralidade. A nota oficial do presidente da Câmara, Michel Temer, é de uma esquizofrenia flagrante. Reconhece malfeitorias, mentiras e abusos. O corolário do silogismo, no entanto, não é a punição. Tudo acabou em novas regras e numa formidável anistia. Se todos, ou quase todos, estão envolvidos, ninguém é culpado. Viva a impunidade! Recebi 84 e-mails de leitores de várias cidades brasileiras. Uma boa amostragem de opinião pública. Um denominador comum esteve presente em todas as mensagens: indignação e pessimismo.
Muitos brasileiros, equivocadamente, começam a descrer da democracia. Paira no ar uma perigosa sensação: o Congresso Nacional não serve para nada. Vislumbra-se uma relação de causa e efeito entre corrupção e democracia. Alguns, sem dúvida desmemoriados, têm saudade de um passado ditatorial de triste memória. Reféns do desalento, sinalizam um risco que não deve ser subestimado: a utopia autoritária.
O Brasil, apesar dos pesares, tem instituições razoavelmente sólidas, embora parcela significativa da sociedade, como já disse, comece a questionar a validade de um dos pilares da democracia: o Congresso Nacional. O descrédito generalizado, sobretudo dos parlamentares, captado em inúmeras pesquisas de opinião, é preocupante. Queixa-se também a sociedade da impunidade radical. O fato de a Policia Federal prender e o Judiciário soltar, independentemente de eventuais razões processuais que possam justificar o procedimento, conspira contra a credibilidade da Justiça. Que fazer? Eis a pergunta que está no fundo do gigantesco descontentamento nacional.

Nós, jornalistas, sem qualquer engajamento ideológico, mas cumprindo rigorosamente nosso dever de denúncia, podemos contribuir poderosamente para a renovação ética do País. O combate à corrupção deve ser uma bandeira permanente. Para isso, em primeiro lugar, é preciso fugir do jornalismo declaratório e investir pesadamente na metodologia da dúvida. Interrogar e duvidar é um dever profissional elementar, sobretudo quando se cobrem assuntos de interesse público.
Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. A busca da isenção, no entanto, não significa a equivocada opção pela neutralidade. Os leitores não querem um jornalismo insosso e incolor. Querem uma mídia comprometida com a verdade. Tal compromisso, como é lógico, reclama, muitas vezes, uma informação que desemboca na denúncia consistente.
Na falta do bom ceticismo (jornalistas não podem ser ingênuos), o predomínio das aspas ocupa o lugar da informação. Um exemplo é suficiente: o agressivo marketing do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Inúmeras foram as manchetes reproduzindo declarações do presidente da República e da Chefe da Casa Civil a respeito do novo milagre brasileiro. Poucas, muito poucas, mostraram a realidade dos fatos: o PAC é uma bela parola! E a nossa missão é (ou deveria ser) rasgar o declaratório e mostrar a verdade. Declaração não é ponto de chegada. É ponto de partida. É pauta. Precisamos ver e confrontar a realidade com as promessas. Sem isso, o jornalismo deixa de ser socialmente relevante.
Complementa-se o dever da denúncia com o que eu chamaria de jornalismo de buldogues. Precisamos, todos, ser a memória da cidadania. Sugiro, mais uma vez, uma simples, mas eficiente terapia de combate à imoralidade: o placar da corrupção. Mensalmente, por exemplo, a imprensa exporia um quadro didático dos principais escândalos: o que aconteceu com os protagonistas da delinquência, as ações concretas ou as omissões dos Poderes Executivos, Legislativo e Judiciário. Seria bom, em período eleitoral, elencar os nomes dos congressistas que participaram ativamente da farra das passagens aéreas e de outros desmandos. Trata-se de serviço público de primeira grandeza.
É dever ético da imprensa promover uma ampla conscientização popular da relevância que os cargos públicos têm e da importância de que pessoas absolutamente idôneas os ocupem. É preciso mostrar eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das idéias. Nós jornalistas devemos ser o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão desnudar o que o marketing esconde.
“A imprensa”, dizia Rui Barbosa, “é a vista da Nação. Por ela é que a Nação acompanha o que lhe passa ao perto e ao longe, enxerga o que lhe malfazem, devassa o que lhe ocultam e tramam, colhe o que lhe sonegam, ou roubam.” (...) “O poder não é um antro: é um tablado. A autoridade não é uma capa, mas um farol. A política não é uma maçonaria, e sim uma liça. Queiram, ou não queiram, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro. Agrade, ou não agrade, as constituições que abraçaram o governo da Nação pela Nação têm por suprema esta norma: para a Nação não há segredos; na sua administração não se toleram escaninhos; no procedimento dos seus servidores não cabe mistério; e toda encoberta, sonegação ou reserva, em matéria de seus interesses, importa, nos homens públicos, traição ou deslealdade aos mais altos deveres do funcionário para com o cargo, do cidadão para com o país.”
Pois bem, caro leitor: um abismo separa os ideais de Ruy Barbosa dos usos e costumes da Ilha da Fantasia. Mudar é preciso.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

JORNAIS, IGREJA E ESTADO por Carlos Alberto Di Franco


O Brasil é um país de expressiva maioria católica. A informação de religião, portanto, merece atenção especial. A quantidade da informação religiosa, em geral, é bastante razoável. Alguns riscos, no entanto, ameaçam a qualidade da cobertura jornalística. Sobressai, entre eles, a falta de especialização, o razoável desconhecimento técnico e, reconheçamos, certa dose de preconceito. Acresce a tudo isso o amadorismo, o despreparo e a falta de transparência da comunicação eclesiástica. Recentes episódios, lamentáveis, evidenciam a urgente necessidade de profissionalização da comunicação institucional da Igreja.
A Igreja Católica, instituição de grande presença e influência na agenda pública brasileira, é sempre notícia. Trabalhar a informação religiosa com rigor e isenção é um desafio. Muitas vezes ganhamos. Outras, perdemos. Em sua primeira viagem à África, o papa Bento XVI reafirmou a oposição da Igreja ao uso dos preservativos. Os jornais afirmaram que Bento XVI teria dito que "a camisinha agrava a aids". Errado. O que o papa disse e tem repetido é que a verdadeira luta contra a aids passa pela "humanização da sexualidade". A mera distribuição de preservativos é, segundo a Igreja, uma estratégia equivocada. A Igreja prega abertamente que a fidelidade dentro do casamento heterossexual, a castidade e a abstinência são a melhor maneira de combater a aids. Tal postura não decorre de uma histeria conservadora. Resulta, na verdade, de conceitos antropológicos profundos, embora, reconheço, politicamente incorretos. Podemos concordar ou discordar, podemos achar que se trata de uma exigência excessiva, mas não podemos desqualificar por baixo.
A mídia dá foco absoluto ao que a Igreja faz ou fará. Gente de todas as denominações cristãs (e até mesmo sem qualquer profissão religiosa) dá opiniões sobre os caminhos que a Igreja Católica deve adotar. Se a Igreja estivesse de fato fora do tempo, anacrônica e ultrapassada, poucos se dariam a esse trabalho. A eleição de Bento XVI, por exemplo, foi um case jornalístico interessante. A cobertura, lá fora e aqui, foi quantitativamente exuberante. Do ponto de vista da qualidade, no entanto, ficou bastante aquém do que poderíamos ter feito. Ficaram, alguns jornais, reféns de declarações de reduzidos e conhecidos desafetos do então cardeal Ratzinger. Criou-se, assim, uma falsa imagem do novo papa. Bento XVI seria um eclesiástico duro, quase intratável. Quem o conhece, e nós o vimos de perto aqui no Brasil, sabe que se trata de um brilhante intelectual, mas também de um homem simples, cordial, com uma ponta de timidez que desarma e cativa.
Agora, como papa, por óbvio, defende o núcleo fundamental da fé católica. Sem essa defesa, muitas vezes na contramão dos modismos de ocasião, a Igreja perderia sua identidade. Se os papas procurassem o "sucesso" - que parece ser a medida suprema da realização para os que tudo medem pelos ibopes -, bastaria que, esquecendo-se da verdade que custodiam, se tivessem bandeado pouco a pouco, como fazem certos "teólogos", para os "novos valores" (em linguagem cristã, contravalores) que cada vez mais tentam dominar o mundo.
É patente que, na hora atual, vivemos uma encruzilhada histórica em que são incontáveis os que parecem andar pela vida sem norte nem rumo, entre as areias movediças do niilismo. O papa teve sempre plena consciência dessa situação e, em vez de sentir a tentação daqueles teólogos que aspiram aos afagos do mundo para dele receberem diploma de "modernos" e "progressistas", ele dá, diariamente, a vida por uma verdade que pode resgatar este mundo, sem se importar com que o chamem de retrógrado, conservador ou desatualizado. Ou será que se espera um papa que deixe de ser cristão para ser mais bem aceito?
Pretende-se que, perante este deslizamento do mundo para baixo, com a glorificação de todo nonsense moral, o papa exerça a sua missão acompanhando a descida, cedendo a tudo e se limitando a um vago programa socioecológico, a belos discursos de paz e amor e a um ecumenismo em que todos os equívocos se podem abraçar e congraçar, porque ninguém acredita mais em coisa alguma, a não ser em viver bem? Mas a coerência doutrinal da Igreja, por vezes conflitante com certas posturas comportamentais, tem sido um fator de defesa e elevação ética das sociedades.
O crescimento da Igreja, como salientou Bento XVI, dá-se "muito mais por atração", nunca por imposição. Entre uma pessoa de fé e um fanático existe uma fronteira nítida: o apreço pela liberdade. O sectário assume a sua convicção com intolerância. O fanático impõe. A pessoa de fé, ao contrário, assenta serenamente em seus valores. Por isso, a sua convicção não a move a impor, mas a estimula a propor, a expor à livre aceitação dos outros as ideias que acredita dignas de serem compartilhadas.
A correta informação sobre a Igreja passa pelo reconhecimento de seu papel na sociedade e pelo seu direito de transitar no espaço público. Caso contrário, cairíamos no laicismo antidemocrático. O Estado é laico, mas não é ateu. O laicismo militante pretende ser a "única verdade"racional, a única digna de ser levada em consideração na cultura, na política, na legislação, no ensino, etc. Por outras palavras, o laicismo é um dogmatismo secular, algo tão pernicioso quanto o clericalismo do passado.
Tentar expulsar a Igreja do debate em defesa da vida, por exemplo, é arbítrio laicista. A independência é um bem para a Igreja e para o Estado. Mas não significa ruptura e, muito menos, virar as costas para o Brasil real, uma nação de raízes culturais cristãs. Informar com isenção é um desafio. E é aí que mora o fascínio da nossa profissão.